Outras 120 espécies foram extintas hoje; elas eram minhas parentes. Eu não vou me sentar e esperar até que o último pedaço deste mundo vivo seja desmembrado. Eu lutarei com todas as minhas forças por aqueles parentes que restam – e quero que todas as pessoas que se importam se juntem a mim. Muitos estão na luta. Mas muitos não estão. Alguns dos que não estão são aqueles que, por qualquer razão, realmente não se importam. Eu me preocupo com eles. Mas eu me preocupo mais com aqueles que se importam mas escolheram não lutar. Um subconjunto razoavelmente grande daqueles que se importam mas escolheram não lutar afirmam que escolher um certo estilo de vida é a única resposta possível para o assassinato do planeta. Eles todos carregam a mesma mensagem essencial – e frequentemente utilizam precisamente as mesmas palavras: Resistência não é possível. Resistência nunca funciona.
Enquanto isso, outras 120 espécies foram extintas hoje. Elas eram minhas parentes.
Existem razões pessoais compreensíveis para querer acreditar na invencibilidade de um sistema opressor. Se você pode convencer a si mesmo de que o sistema é invencível, não há razão para comprometer-se com um trabalho árduo, muitas vezes perigoso e sempre necessário: o de organizar, preparar-se para desmantelar e então de fato desmantelar este (ou qualquer outro) sistema opressor. Se você pode se convencer de que o sistema é invencível, você pode, de consciência totalmente limpa, ficar tão confortável quanto possível dentro dos limites do sistema opressivo enquanto permite que este sistema opressivo continue. Certamente existem razões pelas quais aqueles no poder querem que nós os vejamos como invencíveis. Sistemas abusivos, do mais simples ao mais sofisticado, do familiar ao social e político e religioso, funcionam melhor quando vítimas e observadores policiam a si mesmos. E uma das melhores maneiras de fazer com que vítimas e observadores se policiem é internalizarem a noção de que aqueles que abusam são invencíveis e então, ainda melhor, fazer com que eles tentem policiar qualquer pessoa que ameace quebrar a estável tríade abusador/vítima/observador.
Enquanto isso, outras 120 espécies foram extintas hoje.
Mas aqueles que acreditam na invencibilidade dos agressores e de seus sistemas, estão errados. Sistemas de poder são criados por humanos e podem ser parados por humanos. Aqueles no poder jamais são sobrenaturais ou imortais, e podem ser derrubados. Pessoas com muito menos recursos coletivamente do que qualquer leitor individual da Orion [N.T.: revista americana ambientalista onde foi publicada este texto], lutaram contra sistemas de dominação, e venceram. Não há razão pela qual o resto de nós não pode fazer o mesmo. Mas resistência começa quando acreditamos nela, e não quando nos convencemos a abandoná-la. E certamente não começa tentando convencer as outras pessoas a abandoná-la.
A História, assim como os eventos atuais, nos dá muitos exemplos de resistência bem-sucedida. Os nacionalistas irlandeses, os abolicionistas, as suffragettes – eu poderia encher o resto desta coluna com exemplos. Recentemente, o Movimento pela Emancipação do Delta Nigeriano (MEND) conseguiu, atacando oleodutos e sequestrando trabalhadores do óleo, desabilitar nada menos do que 40% do output da industria do óleo na Nigéria, e algumas indústrias consideraram até mesmo abandonar a região. Se aqueles que, entre nós, são os beneficiários primários desse sistema global de exploração, tivessem 1% dessa coragem e comprometimento com a terra e com a comunidade, nós poderíamos ser igualmente efetivos, talvez mais. Nós temos muito mais recursos a nossa disposição e o melhor em que podemos pensar é o que, pilhas de compostagem? Nosso mundo está sendo assassinado e alguns ambientalistas anda acham que andar de bicicleta é algum tipo de resposta?
Algumas pessoas sustentam a ideia de que resistência não pode realizar nada sem que antes nós mudemos a cultura subjacente; modificar a cultura, então, é onde o verdadeiro trabalho deve se focar. Deixando de lado o fato de que algumas vezes pessoas, organizações e instituições simplesmente estão erradas e devem ser paradas – os Nazistas vem à mente, assim como a KKK no auge de seu poder, os barões da indústria no séc. XIX, e daí em diante -, o ponto mais importante é que resistência e trabalho de mudança cultural não são, de forma alguma, coisas mutualmente excludentes, mas, na verdade, profundamente complementares, o que torna as reclamações dos lifestylists ainda mais sem sentido. Eu não estou tentando impedi-los de salvar sementes ou de ceifar à mão; eu estou simplesmente dizendo que estas atividades são insuficientes para impedir essa cultura de matar o planeta.
Sim, existe a necessidade de criarmos uma nova cultura com novos valores (ou, na verdade, dezenas de milhares de culturas, cada uma emergindo de sua própria terra, incluindo a re-emergência de extintas culturas indígenas). Mas as pessoas envolvidas nessa criação cultural devem se ver como parte da um movimento de resistência que apoia e encoraja a ação contra as forças que estão desmembrando nosso planeta, ou, pelo menos, que não desencoraja ativamente a resistência organizada onde quer que o assunto seja levantado. Do contrário, essa nova cultura é simplesmente uma fantasia, desconectada de qualquer coisa no mundo real e físico, incapaz de ser efetiva e, em última instância, uma posição de privilégio. Maud Gonne, por exemplo, estava intimamente envolvida com o Gaelic Revival, promovendo a preservação da linguagem e da literatura. Ela também deu apoio a prisioneiros, trabalhou com a Land League, e foi, ela própria, presa. Ela quase morreu numa greve de fome e conquistou alguns direitos básicos para prisioneiros irlandeses no processo (e seu filho, Seán MacBride, acabou se tornando chefe de staff no IRA, ajudou a fundar a Anistia International, e em 1974 ganhou o Nobel da Paz). Dizer categoricamente que a resistência não funciona é um insulto à sua memória e à memória de muitas outras pessoas corajosas. É claro que funciona. Mas as pessoas precisam realmente resistir, e continuar resistindo a longo prazo.
Por que é que existem até mesmo aqueles que se denominam ambientalistas, mas que não falam sobre o que realmente precisa acontecer para salvar este planeta? Queimar combustível fóssil, por exemplo, precisa parar. Isso não é negociável. Não se pode negociar a realidade física. Não importa como ou porque essa queima pare. Ela precisa parar. Nós precisamos pará-la – precisamos parar de queimar, e precisamos impedir os outros, especialmente os “outros” que são corporações gigantes, de fazê-lo.
Precisamos de resistência política organizada. O poder deve ser identificado e depois sistematicamente desmantelado. Isso requer ação conjunta de qualquer tipo que for necessário. Enquanto os acionistas na linha de frente estão desmontando os sistemas de poder e lutando para defender a natureza selvagem, a cultura de resistência está provendo lealdade e cooperação e suporte material, assim como está construindo instituições alternativas – de formas de trazer justiça a sistemas econômicos até cadeias de suprimento alimentar para escolas e novas formas literárias – que possam assumir o controle enquanto o sistema desaba. O modelo não é difícil de entender. Ele tomará suas próprias formas culturalmente apropriadas. As mesmas ações foram empreendidas por movimentos de resistência por toda parte – os anarquistas espanhóis, os patriotas americanos. Não é conceitualmente difícil.
Mas, em vez de apoiar a necessidade de ação (e não estamos ainda sequer falando sobre quais formas essa ação deveria ou poderia tomar), ou pelo menos não tentar desencorajar ações a cada momento, muito do movimento ambientalista continua insistindo que apenas a mudança de estilo de vida pessoal é possível. Nenhum outro grupo oprimido na história jamais adotou tal posição. Agora, um pequeno grupo de pessoas quase-famintas atingidas pela pobreza na Nigéria fizeram a indústria do petróleo no país ficar de joelhos. Eles se lembram o que é amar a sua terra e as suas comunidades – talvez porque eles não estão se afogando em privilégio, mas na lama tóxica da extração de petróleo. É isso que será necessário para fazer com que os ambientalistas nos EUA reajam?
O MEND disse para a indústria do óleo: “Deve ficar claro que o governo Nigeriano não pode proteger seus trabalhadores ou bens. Deixe nossa terra enquanto pode ou morra nela.” Há mais coragem, integridade, inteligência e pragmatismo nesta declaração do MEND do que em qualquer declaração de qualquer ambientalista americano que eu já tenha lido – incluindo eu mesmo. Nós precisamos aceitar o fato de que fazer este tipo de declaração (e estar preparado para agir de acordo) pode ser necessário para preservar um planeta com vida.
Algumas pessoas podem estar dispostas a desistir da vida neste planeta sem resistir. Eu não sou uma delas.
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